Rodrigo

Era pra ser mais um dia voltando pra casa. Após o trabalho, cansada porém bem por ter voltado a trabalhar a pouco tempo. Ao atravessar a faixa avistei o ônibus parado a alguns metros de distância. Era sexta e os coletivos depois das vinte horas ficam escassos. Corri…cheguei a tempo, desengonçada quase caí depois de entrar, passei pela catraca e me direcionei até a poltrona vazia que estava no fundo do ônibus. Sentei e rotineiramente comecei a mexer no celular. Avistei fotos, revisei mensagens e notei que o mesmo estava sendo feito pelo homem à minha direita. Pela minha visão periférica notei seus traços.

Suas mãos, cabelos e jeito. Sim! Parecia você meu irmão. O mesmo modo de olhar perdido pra algo e o modo grosseiro de se jogar pro lado. O cheiro de álcool misturado com tabaco e aquele modo alucinado presente. A roupa suja e mal combinada compunham ainda mais o resto do visual. Procurei uma forma de fechar o celular e guardá-lo.Não queria expectadores e por fim o homem desconhecido, pra completar a coincidência, desceu no mesmo bairro onde você meu irmão buscava alívio com intorpersentes para suas dores internas e seus demônios. Ao passar por isso tudo em menos de dez minutos do centro da cidade em direção de casa me deparei com a infeliz conclusão que é essa a lembrança que eu tenho de você Rodrigo. Talvez um dia ela mude e deixe de fazer parte da parte mais obscura das minhas lembranças da madrugada. Onde eu me trancava e deixava a sua fúria se esvair,onde por muitas vezes mal dormia porque você não deixava. Espero que em algum lugar você esteja bem e com um olhar diferente do que eu lembro. Um olhar de milagre como um dia você mesmo me disse na nossa última conversa após a sua ida para mais uma reabilitação. Você meu irmão nunca mudou apesar da vida ter sido dura contigo. Continuou com o coração grande e parecendo um menino cuidadoso, sonhador e curioso disposto ajudar e sempre aprender coisas. Querendo abraçar o mundo que nós chamamos de terra de Marlboro. Um lugar onde estamos vivendo e convivendo. Mas que quando deitamos as nossas cabeças em nossos travesseiros…estamos sempre sozinhos. Sinto falta desse menino. Continue se cuidando irmão. ❤️

Pensamento

A real é que: tudo tem um ponto final. Tudo tem um quê de despedida. Sem desculpas, sem culpa e sem compromisso. Até mesmo sem um “olá” ao se encontrar nas ruas. Acho que na verdade esse tipo de “coisa” nem devia ter começado. Pq quando o ser humano passou a banalizar as situações e o contato, não deixando sequer o afeto o mundo virou de ponta cabeça. Restaram apenas lembranças…uma boas, outras nem tanto…

Mistura – novembro de 2019

É sempre assim. Sempre acontece no mesmo horário…oito horas e cinco minutos da noite. Eu sentada no mesmo no banco de ônibus enxergo próximo ao meu bairro aquele mesmo bar fechado. Um trailer na verdade, foi lá que fomos juntos nos últimos meses que nos vimos. Esse mesmo lugar que pensei em voltar outras vezes sozinha para degustar daquela cerveja artesanal tão admirada e irresistivelmente gelada… dá água na boca só de relembrar. Sinto falta do trailer, dos clientes, da alegria vista no olhar das pessoas que é ali compunham o lugar…o cheiro do tabaco, da cerveja e as risadas soltas de pessoas descompromissadas que ali estavam sempre que eu ia. O ambiente era do tipo: vem que eu te dou um abraço! Te recebo nos melhores e por que não nos piores dias? Era coisa de família…e ainda é! Não sei quando o trailer vai reabrir. Sinceramente espero que o verão seja um bom motivo para as coisas voltarem a se normalizar e eu enfim consegui revisitar aquele lugar e outros que ainda me lembro. Dias horríveis que eu passei com você. Lembranças que não voltarão mais! Sigo assim…um dia de cada vez.